Comemoração dos 90 anos de Elizabeth Teixeira

Elizabeth Teixeira, mulher marcada para viver, comemora 90 anos neste mês de fevereiro. A data é uma oportunidade para celebrar sua trajetória de resistência e empenho na luta pela Reforma Agrária. Participe!

Atenção: a atividade cultural programada para o dia 15/02 foi cancelada.

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Colaboração
A diretoria do Memorial das Lutas e Ligas Camponesas solicita a colaboração para despesas com esse significativo evento. Qualquer valor pode ser depositado na seguinte conta:

Titular: ONG MEMORIAL DAS LIGAS E LUTAS CAMPONESAS
Agência: 0922 – Caixa Econômica Federal da Paraíba
Cidade: Sapé-PB
Operação: 003
Conta Corrente: 00001121-2

Livro: Memórias do Povo – João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas na Paraíba

Memórias do Povo é um dos mais importantes documentários das lutas do campo, nascimento das ligas, suas conquistas, seus sacrifícios. Foi organizado por um grupo de pessoas que, com paciência, escutaram mais cem camponeses, gravando seus relatos sobre as vitórias, esperanças e sobre seus heróis e líderes: Alfredo Nascimento, João Pedro Teixeira, Pedro Fazendeiro e Nêgo Fuba.

Acesse o livro em PDF aqui.

 

Seminário Memória Camponesa – 2006 (1ª Mesa)

1ª. Mesa: As ligas camponesas em Sapé e na Paraíba

Acesse o documento em PDF.

Seminário Memória Camponesa
As Ligas Camponesas na Paraíba
Dias: 28 e 29 de abril de 2006
Local: Auditório João Eudes, da Assembléia Legislativa da Paraíba
Endereço: Praça João Pessoa, Centro, João Pessoa – PB.

Poema: Ao meu nobre pai Pedro Fazendeiro e outros tantos Companheiros

O que dizer de você que quase não conheci!
Que tão pouco vi e quase não convivi,
É só falar da saudade! Saudade do que não tive,
Do homem bom com
panheiro, do Pedro pai e amigo,
Do refúgio no abrigo do abraço protetor,
Que a ditadura roubou.

São cinco os filhos de Pedro, sendo eu a derradeira,
Quase nada me sobrou, pois as alegrias de filha,
A ditadura tão desumana tão crua,
Brutalmente me fraudou,
Roubou-me a paternidade e em órfã me tornou.

O meu coração, ainda sofre e chora essa dor,
A dor da saudade do direito suprimido,
De ao seu lado ter crescido, seus abraços e carinho recebido,
Vê-lo sorrir de alegria, enquanto eu acertava,
E, receber correção quando na vida eu errava,
Tudo me foi tirado, não posso mais me calar,
Explode coração! Chora coração!
Fala da tua dor com emoção e razão.

Isso, sem falar da dor dos que já sabiam o que é a dor,
Pois, a mim coube a dor da inocência,
Da espera prolongada, da sua utópica chegada,
Que, na minha ingenuidade era por mim aguardada,
Na minha fé infantil que assim acreditava,
Que, tal como o Cristo um dia ressuscitou,
E em refulgente gloria para o pai retornou,
Eu cria e confiante orava, pela volta do meu pai,
Mas ele jamais chegou.

O que dizer da dor, de quem já sabia o que é dor!
De quem antes já sofria!
O que dizer então da dor de Maria?
Minha mãe que de tanto que chorou,
Como uma rosa murchou, ressecou, expirou,
Por conhecer o sentir do coração,
Sabia que seu amado, jamais ao lar tornaria,
Que ela agora seria só,
Só solidão, tristeza, e agonia.

Como criar seus cinco filhos Maria?
Na angustia de saber que Pedro,
Pai, provedor, fora tiranizado pela lei da ditadura,
A lei que ditou tão dura a vida, martírio e morte,
Do Pedro que honra e paz proclamava,
Sim! Por esta causa lutava, vida, paz e honradez,
Aos amigos, companheiros camponeses,
Torturados, humilhados, indefesos,
Por algozes e covardes capatazes.

E, o que dizer da dor das minhas irmãs e irmãos?
Nadieje, Josineide, Marinarde e o Walter,
Por já entenderem tudo ou quem sabe quase tudo,
Em pouco tempo sabiam, que pai nunca mais teriam.

Ai, Quão grande foi essa dor,
Que tem por nome orfandade!
Que aflige os corações sem escolha de idade.

Como doeu essa dor crucial e cabalista,
Ao saberem, que Pedro não mais veriam,
O pai amoroso, corajoso e idealista,
Sim! Meu pai era um sonhador,
E, pra esses quatro filhos profissão assim sonhou,
Essa será doutora e a outra professora,
Esse menino engenheiro e aquele advogado,
(só para mim tão pequena a ditadura tão dura
Roubou-lhe o tempo do sonho e o vazio ficou).

Ai! Quão grande foi essa dor,
Que tem por nome orfandade!
Que magoa corações, independente da idade.

Respondam-me, por favor,
O que fazer de um amor
Que não tem o ser amado,
Que fora dos meus pequenos braços tirado,
Deixando-me apenas dor e saudades,
Fome, medo, pranto e fragilidade.

Cadê o meu pai amado?
Respondam-me, por favor, tiranas autoridades,
Ditadores cruéis de vidas ensangüentadas,
Respondam-me, por favor, o que faço com essa dor?

E o que dizer da dor de outros tantos companheiros?
Guardada nos corações de quem tanto amor perdeu.
Tantos Pedros, Joãos, Josés, Assis e os Agassiz
As Marias, Margaridas, as Rosas, as Betes e Elizabetes
Os Lemos e também os que não lemos,
Que tiveram seus amores como ramos arrancados,
Iguais pétalas de flores extraídas, esmagadas
Pelas mãos ensangüentadas dessa dita cuja dura,
Freando-lhes o pulsar dos vibrantes corações!

O que dizer para quem tanto chorou,
Gritou, sofreu e venceu,
Sim! Venceu, Pedro e outros tantos companheiros,
Pois o sangue irrompido no mundo e nesse Brasil querido,
Hoje renasce e aflora com ardor e esperança,
Por sabermos que a cada ramo arrancado,
A cada pétala extraída e a cada flor esmagada,
O sonho é mais sonhado, desejado e por fim realizado,
Pois, pulsam fortes os corações dos Pedros, e dos Joãos,
Das Marias, Margaridas, Rosas e Elizabetes
Dos Lemos e também dos que não lemos,
Que a tanto sobreviveram.

Enfim, ao meu saudoso e honrado pai,
Pedro Inácio de Araújo,
Nosso nobre Pedro Fazendeiro,
Nosso sim, pois nunca foste só meu,
Pois como exemplo de honra, heroísmo e altruísmo,
Destes a tua vida por esse Brasil querido.

E, que esse bravo povo brasileiro,
Honre ao meu nobre pai Pedro Fazendeiro,
E, outros tantos companheiros
Que de tanto padeceram.

Em nome da minha mãe (in memória) minhas irmãs e irmãos,
Deixo a você meu pai, meu amor, minha saudade,
Minha dor que tanto doeu e dói,
Mas em especial deixo a você minha grande admiração,
Pois, me orgulho de olhar para o amanhã e ver,
Que aquela luta, a sua luta!
Que parecia tão amarga e inglória,
Hoje é escrita na história como a luta de um grande vencedor!

Obrigada, Pedro Fazendeiro e outros tantos companheiros.

Com amor,
Náugia Maria de Araújo (Náugia Fazendeiro)
 é filha do camponês Pedro Inácio de Araújo, conhecido como Pedro Fazendeiro.

Poema: Os homens da Terra

Este poema foi lido pela primeira vez em público numa concentração de camponeses paraibanos realizada no Parque Solon de Lucena, em João Pessoa, em homenagem ao primeiro aniversário da morte de João Pedro Teixeira, no dia 1º de maio de 1963. A leitura foi feita pelo estudante Roberto Ávila Vieira, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, que veio a João Pessoa especialmente desincumbir-se dessa missão,

Os homens da Terra
Vinícius de Morais

Em homenagem aos trabalhadores da terra do Brasil, que enfim despertam e cuja luta ora se inicia.

Senhores Barões da terra
Preparai vossa mortalha
Porque desfrutais da terra
E a terra é de quem trabalha
Bem como os frutos que encerra
Senhores Barões da terra
Preparai vossa mortalha.
Chegado é o tempo da terra
Não há santo que vos valha
Não a foice contra a espada
Não o fogo contra a pedra.
Não o fuzil contra a enxada
– União contra granada
– Reforma contra metralha!

Senhores Donos da Terra
Juntai vossa rica tralha
Vosso cristal, vossa prata
Luzindo em vossa toalha
Juntai vossos ricos trapos
Senhores Donos da terra
Que os nossos pobres farrapos
Nossa juta e nossa palha
Vêm vindo pelo caminho
Para manchar vosso linho
Com o barro da nossa guerra:
E a nossa guerra não falha!

Nossa guerra forja e funde
O operário e o camponês
Foi ele quem fez o forno
Onde assa o pão que comeis
Com seu martelo e seu forno
Sua lima e sua torquês.
Foi ele quem fez o forno
Onde assa o pão que comeis

Nosso pão de cada dia
Feito em vossa padaria
Com trigo que não colheis.
Nosso pão que forja e funde
O camponês e o operário
No forno onde coze o trigo
Para o pão que nos vendeis
Nas vendas do latifúndio
Senhor latifundiário!

Senhor Grileiro de terra
É chegada a vossa vez
A voz que ouvis e que berra
É o brado do camponês
Clamando do seu calvário
Contra a vossa mesquinhez
O café vos deu o ouro
Com que encheis vosso tesouro
A cana vos deu a parta
Que reluz em vosso armário
O cacau vos deu o cobre
Que atirais no chão do pobre
O algodão vos deu o chumbo
Com que matais o operário:
É chegada a voz vez
Senhor latifundiário!

Em toda parte, nos campos
Junta-se à nossa outra voz
Escutai, Senhor dos campos
Nós já não somos mais sós.
Queremos bonança e paz
Para cuidar da lavoura
Colher o milho que doura

Queremos que a terra possa
Ser tão nossa quanto vossa
Porque a terra não tem dono
Senhores Donos de Terra.
Queremos plantar no outono
Para ter na primavera
Amor em vez de abandono
Fartura em vez de miséria

Queremos paz, não a guerra
Senhores Donos de Terra…
Mas se ouvidos não prestais
Às grandes vozes gerais
Que ecoam de serra em serra
Não há santo que vos valha:
Não a foice contra a espada
Não o fogo contra a pedra
Não o fuzil contra a enxada:
– Granada contra granada
– Metralha contra metralha!

E a nosso guerra é sagrada
A nossa guerra não falha!

Poema: Uma História da Luta de Antas

Poeta João Muniz

Vou narrar em toada e poesia
Uma história de luta e repressão
Mas também resistência e conquista
De uma luta suada neste chão
Uma história demais emocionante
De momentos vividos bem marcantes
Percorridos em sua trajetória
Onde o povo da luta não cansou
Demonstrou pela terra tanto amor
Grande Antas arquivo de memória.

Nesta terra é berço de João Pedro
Grande marte das Ligas Camponesas
Que outrora lutou por liberdade
Pelo homem a mulher e a natureza
Entendeu bem a vida do oprimido
Defender o tonou um perseguido
Da justiça humana injustiçado
Um celebre e honrado cidadão
Camponês lutador com emoção
Tem seu sangue ensopado no roçado.

Em 62 mês de abril
Dia 02 tem uma morte tirana
Sua esposa fiel Elizabeth
Sente a grande tortura desumana
E assume de João a ideologia
Ensinando sua pedagogia
Representa mulher ser de bravura
Vem á face perversa em seu destino
Se esconde num mundo clandestino
Torturada também na ditadura.

E a história de Antas continua
Foi as ligas ficando abafada
A cruel ditadura militar
Vitimou camponeses na emboscada
E o povo vivendo escravidão
Dava ordens um tal Sebastião
Figueiredo Coutinho. Um mercenário
Mão de ferro contra o trabalhador
Num regime covarde explorador
De um poder do latifundiário.

Obrigava os pais mães de famílias
Colocar seus filhos pra trabalhar
Suas vidas sofridas escravizadas
Não podia se quer vir estudar
Feito escravo explorado todo dia
Quase nada era o pouco que comia
Trabalhava na paga do cambão
Um dinheiro se quer ninguém ganhava
Era apenas um vale então ficava
Seu suor todo lá no barracão.

19 de novembro de 97
85 família iniciou
Uma luta em prol da liberdade
A razão pela qual se motivou
E uma guerra tremenda aconteceu
Muito medo constante sucedeu
Violência o período inicial
Repressão assassina e desespero
Interrompe a vida de um companheiro
Culminou com a morte de Sandoval.

Companheiros sofreu perseguição
Ameaças de morte e tiroteio
Com prisões numa luta tão sofrida
Emboscada carreira e devaneio
A polícia a serviço do patrão
Aumentando essa perseguição
Destruindo a lavoura já crescida
Capangas de cavalo e viatura
Interrompe no campo agricultura
Faz do povo a vida entristecida.

03 despejos de forma absurda
E o Pe. Zé Martins sempre presente
O promotor Marinho Mendes disse,
A polícia de Sapé é conivente
Junto ao povo fez sua intervenção
Diminui aquela perseguição
E opressão violenta que se via
Muitos dos companheiros desistiu
Pelo medo das balas de fuzil
E além disso a terra não saia.

CPT e a Igreja do passado
Que lutaram junto aos trabalhadores
Que em vez de um templo uma palhoça
E rezavam com os agricultores
E o profeta de Cristo D. José
Proclamava a vida e o dom da fé
Por um mundo mais justo e mais irmão
A igreja de Deus pobre oprimido
Reconhece a quem foi o esquecido
Com a Teologia da Libertação.

E a terra é desapropriada
Para o INCRA criar o assentamento
Proprietário recorre na justiça
E o povo retorna ao sofrimento
Perseguidos também pela igreja
Mas o povo não cansa a peleja
Outra vez se impunha a lutar
Pra se ter essa terra conquistada
O povo seguindo a jornada
Não podia pensar mais em parar.

Decidia os Ministros do Supremo
O futuro do povo e seu destino
Ministro Dias Tofely pede visto
Pra esperança do povo campesino
Favorável votou a maioria
Esta terra se encheu de alegria
Esta luta de fato é conquistada
Longos anos de dor e sofrimento
Esperando essa hora esse momento
16 anos e 3 meses em caminhada.

João Pedro morreu mas está vivo
Elizabeth seguiu o mesmo trilho
A família que foi dilacerada
E gerou o casal seus 11 filhos
E a luta de Antas nessa trilha
Conquistou esta terra 11 família
Tem das Ligas essa simbologia
Essa terra é pra o povo trabalhar
Produzir para se alimentar
E viver na mais plena alegria.

Foram eles e elas vencedores
João Vitor e Josefa gloria Deus
José Bias e Maria José
Josiano lembra a esposa que morreu
Alan e Cida e o José Soares
Respirando o perfume em novos aires
Nivaldir, Elizangela e Sebastião,
Marivânio e Lisânia que prazer
Manoel Paulo e Maria quer viver
Produzindo e colhendo neste chão.

Josilene outra mulher guerreira
E Maria José estudou no SERTA
Completando essas 11 famílias
Na conquista de novas descobertas
Outros nomes depois irão somar
Nesta luta e na terra vão morar
E sentir o prazer da liberdade
E o peito repleto de alegria
Pois aqui já é mais que utopia
Esse sonho virou realidade.

As famílias querem agradecer
Todo apoio de todos recebido
Comissão Pastora a CPT
Pelas lutas travadas é merecido
Agradece a Marlene, Agnaldo
Irmã Tony, Ednelza e Eduardo
Biu, Roberto, Pe. Hermínio e Pe. João
Grande Tânia, Verônica e Albertina
A Drª Iranice flor menina
Ajudaram na luta deste chão.

D. José, D. Marcelo e D. Tomás,
A CNBB Dom Xavier
Garibaldi, Luiz Couto e Paulo Maldo,
Júlio Cezar, Anastácio e sua fé,
Dias Tofely por sua intervenção
Luizinho na contribuição
E tantos outros aqui que não citei
Quem já foi ou quem é da CPT
A vocês queremos agradecer
A conquista é nossa e de vocês.

Pois herdamos das ligas camponesas
Uma luta fiel grande João Pedro
Somos filhos de sua resistência
Pois vencemos repressão á dor e medo
Temos grandes motivos pra sorrir
Nesta terra nós vamos produzir
E honrar esta família verdadeira
A mulher que deu vida ao movimento
Dará nome ao nosso assentamento
Que será Elizabeth Teixeira.

Viva o povo guerreiro desta terra
Viva as lutas e as ligas camponesas
Viva os mártires tantos João e Elizabeth Gloria a Deus e a divina natureza
Esta luta deve continuar
Venham povo em marcha pra lutar
E cantar novo hino varonil
E quem sabe no novo amanhecer
Em todo canto virá acontecer
Justa reforma agraria no Brasil.

Poeta João Muniz
01/04/2014.

Após 60 anos, Fazenda Antas é desapropriada

02/03/2014

Decisão do Supremo Tribunal Federal no início de fevereiro, manteve desapropriação da Fazenda Antas, na zona rural de Sobrado. 

A terra que por muitos anos foi alvo de conflito entre trabalhadores e latifundiários, e deu início à história das Ligas Camponesas na Paraíba, com a luta de João Pedro Teixeira, agora virou motivo para comemoração. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no início de fevereiro, manteve a desapropriação da Fazenda Antas, na zona rural do município de Sobrado, distante cerca de 60 quilômetros de João Pessoa, e devolveu aos trabalhadores a esperança de ter um pedaço de terra para garantir o sustento da família.

Foram 60 anos de luta, ameaças, despejos, destruição de lavouras e violência. Nesse intervalo de tempo, muitas pessoas morreram; outras nasceram; e algumas perderam a esperança.

As famílias dos acampados souberam da decisão do STF no dia seguinte. Alguns não conseguiram segurar as lágrimas, a exemplo de Marlene Maria do Nascimento, que acompanhou a luta desde a adolescência. “Meu pai já vivia nesse conflito, ele foi escravo por muito tempo”, declarou.

O processo foi retomado na Justiça há 15 anos, mas a luta começou em 1954, quando o movimento organizado por camponeses, que reivindicavam a reforma agrária, foi alvo da repressão da Ditadura Militar. O líder João Pedro Teixeira foi assassinado em 1962, e logo depois sua esposa, Elizabeth Teixeira, que atualmente mora na capital paraibana, assumiu a presidência da Liga de Sapé. Ela continuou a luta do marido, em defesa dos trabalhadores rurais.

O tempo passou e dezenas de famílias continuam acampadas na comunidade de Antas, às margens do rio Gurinhém, em condições precárias de sobrevivência. Os camponeses resistiram à pressão e continuaram lutando pela reforma agrária. Um deles foi João Victor Oliveira, hoje com 53 anos.

Anos mais tarde, as ameaças também se estenderam a Oliveira. “Por muitas vezes tive que fugir de madrugada com as crianças nos braços para não ser morto. As ameaças eram constantes”, afirmou. Segundo ele, foram anos de conflito pesado e muita violência. O trabalhador chegou a ser expulso da fazenda.

“Depois da expulsão, eu e outros trabalhadores decidimos ocupar a fazenda novamente e foi aí que o conflito começou. O proprietário destruía as lavouras e aquilo nos causava revolta”, destacou. O medo era tanto que os camponeses cavavam buracos nas paredes e no chão para servir de esconderijos. “Ninguém tinha o direito de ficar de bobeira conversando, era bala para todo lado”, disse o trabalhador.

O conflito em Antas envolveu gerações. Filho de posseiro, Manoel Paulo Francisco, 54, viu o pai chorar pela situação.

Quando se envolveu diretamente na luta, os filhos ainda eram pequenos. Hoje já é avô. Com a neta de cinco meses nos braços, Francisco disse que tem esperança de dias melhores, com dignidade e respeito. “Eu nunca tive isso, mas sempre lutei para que meus filhos e netos tenham uma vida diferente”, ressaltou.

FAZENDA PASSA A SER DOMÍNIO DA UNIÃO

O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Paraíba (Incra-PB), Cleofas Caju, disse que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) representa um marco na luta dos camponeses no Estado. Segundo ele, há 17 anos os trabalhadores da localidade requereram ao órgão a desapropriação do imóvel (Fazenda Antas) alegando que a propriedade não estava cumprindo o papel social. “A partir daí se travou o conflito, inclusive com o assassinato de um trabalhador, mas a luta continuou”, declarou.

Atendendo aos apelos dos camponeses, o Incra abriu o processo de vistoria para verificar se o imóvel cumpria ou não o papel social. Caju lembrou que em 2006 o governo federal decretou a área como de interesse social para fins de reforma agrária. “Com o decreto o Incra teve a possibilidade de avaliar o imóvel, mas outra decisão acabou suspendendo os efeitos do decreto”, afirmou.

Agora, o Incra vai aguardar a publicação do acórdão no Diário Oficial para então fazer a vistoria de avaliação e aferir o valor do imóvel. Segundo o superintendente, nada impede que o proprietário da fazenda manifeste o desejo de recorrer, “mas acredito que não surtirá efeito algum”. Ele disse ainda que vai pedir apoio da polícia para garantir a segurança dos peritos agrários.

Nesse momento, conforme explicou Caju, o imóvel passa a ser domínio da União, sob a governança do Incra. “Vamos proceder com a seleção e assentamento das famílias”, declarou. O superintendente explicou que a fazenda Antas tem dimensão de 507 hectares. Inicialmente cerca de 60 famílias estavam envolvidas diretamente no processo, mas muitas desistiram da luta e hoje algo em torno de 20 ainda aguardam a divisão da terra.

ACAMPADOS REVELAM PERDAS HUMANAS

Os dias de trabalho na fazenda Antas também deixaram marcas na memória de Joseano Idalino Pereira, hoje com 43 anos. O que ele mais lamenta é o fato da esposa ter morrido (de causa natural) sem ver a divisão da terra. “Ela sofreu junto comigo. Era o maior sonho dela, mas infelizmente isso não foi possível. Ela me deixou com sete filhos”, declarou.

Idalino chorou copiosamente quando soube da decisão do STF. Mesmo sem entender a linguagem jurídica, pelo baixo grau de instrução, ele comemorou o indeferimento do mandado de segurança. “Os homens da Justiça estão do nosso lado, porque é aqui que está a verdade, é aqui que está a luta de muitos anos”, comentou o trabalhador, que também teve medo de morrer nesse conflito.

Conforme relato de Idalino, ele trabalhou em regime de escravidão na fazenda Antas. “Nunca tive o gosto de pegar em dinheiro. A gente recebia um vale para comprar na cidade, e não dava para comprar nada. Era um sofrimento, era escravo mesmo”, frisou. Ele contou que uma vez capangas da fazenda correram atrás dele para dar uma surra. “Deram bobeira e eu corri, só pensava nos meus filhos, que já estavam sem a mãe”, comentou.

Conflito de terra é o mais antigo do país

Na avaliação de Iranice Gonçalves, advogada e integrante da Comissão Estadual da Verdade, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) é um marco histórico, não apenas pela questão da desapropriação em si, mas pela história que vem desde a luta de João Pedro Teixeira.

“O que acontece hoje é uma continuidade do que ocorreu em 1962, com a morte de João Pedro. Naquela época já se reivindicavam os direitos trabalhistas, a pobreza era grande e foi iniciada a luta pela reforma agrária na fazenda de Antas”, explicou.

Ela lembrou que os camponeses passaram dias difíceis, dias de escravidão. “Felizmente os camponeses estão cada vez mais conscientes da importância deles na sociedade civil e política do Estado”, frisou Iranice, que acompanhou o conflito, no final dos anos 1990, como advogada do processo. Segundo ela, a ocupação na fazenda Antas é considerada como o conflito de terra mais antigo do país.

O indeferimento do mandado de segurança, por sete votos a favor e quatro contra, significa a vitória dos camponeses. “O processo continua em Recife, mas deve se seguir a recomendação e manter a desapropriação da área”, ponderou Iranice. No ano de 1997, era forte a pressão para que os posseiros deixassem a terra, o que só aconteceu após uma liminar. “Durante todo esse tempo os trabalhadores resistiram”, declarou.

A fazenda Antas inclui as terras que pertenciam ao sítio Antas do Sono, que tinha como proprietário Manoel Justino, pai de Elizabeth Teixeira. Manoel Justino queria que a filha, a todo custo, abandonasse João Pedro e os filhos, pois não se agradava da luta do genro. Elizabeth nunca atendeu esse pedido do pai. Descontente, Manoel Justino vendeu o sítio e o novo proprietário mandou expulsar a família de Pedro Teixeira, que se recusou a deixar o local e travou uma luta judicial.

A religiosa Marlene Burgers, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), também comemorou a decisão do STF.

“É um importante acontecimento histórico, pois é o berço da luta de João Pedro Teixeira”, declarou. Ela contou que foi a portadora da notícia para Elizabeth Teixeira. “Elizabeth ficou emocionada e muito feliz, pelo que conheço dela, foi a notícia mais importante que já recebeu”, frisou. Segundo Marlene, no próximo dia 2 de abril será realizada uma caminhada refazendo o trajeto de João Pedro no dia em que ele foi assassinado.

AÇÃO DAS LIGAS CAMPONESAS EM SAPÉ

A casa onde morou João Pedro Teixeira com a mulher Elizabeth e os filhos do casal se transformou no Memorial João Pedro Teixeira, local de visitação, próximo à Fazenda Antas, que fica aberto de segunda a sexta-feira. Cândido Nascimento é um dos responsáveis por contar a história das Ligas Camponesas a quem visita o local. “Também faço parte dessa luta que se arrasta há 60 anos e teve início com João Pedro. Conto essa história com muito orgulho”, declarou.

Segundo Cândido, João Pedro Teixeira participou da criação das Ligas Camponesas no engenho Galiléia, na Zona da Mata de Pernambuco. Depois disso voltou à Paraíba e deu início às Ligas Camponesas em Sapé, após o conflito com o sogro, pai de Elizabeth Teixeira que não aceitava a união da filha com o trabalhador. “O pai de Elizabeth tinha ódio de João Pedro, por conta da bandeira de luta que ele defendia. Ele chegou a propor, por diversas vezes, que Elizabeth abandonasse o marido e os filhos, o que ela nunca aceitou”, afirmou.

De acordo com Cândido Nascimento, João Pedro Teixeira foi a João Pessoa para tratar de assuntos referentes a uma ação de despejo.

“Foi nesse mesmo dia que ele foi assassinado, fizeram uma armadilha para ele e o mataram com tiros nas costas. A partir desse dia Elizabeth prometeu dar continuidade à causa pela qual o marido morreu, ele será sempre lembrado como o grande líder das Ligas Camponesas”, frisou. Sua luta incluía a Reforma Agrária e a justiça no campo, pois muitos trabalhadores eram tratados como escravos. “Não havia respeito para com os trabalhadores, a mão de obra era explorada, e isso muito revoltava João Pedro”, destacou.

Em uma das paredes do Memorial, a foto da família de João Pedro e Elizabeth chama a atenção de quem visita o local. A história do líder é tão difundida que até as crianças da localidade já sabem contá-la e reproduzi-la.

“Foi nessa casa que, por muitas vezes, João Pedro deixou Elizabeth e as crianças para lutar pelos direitos dos trabalhadores. A cada vez que ele saía de casa beijava e abraçava cada um dos filhos, porque sabia que aquela poderia ser a última vez que se viam”, contou Cândido.

Fonte: Jornal da Paraíba

STF põe fim ao mais longo conflito de terra para reforma agrária

conquista da terra

SAPÉ (PB) — Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do início de fevereiro colocou fim ao mais longo conflito de terra para a reforma agrária no país, que durava 60 anos, e envolvia a Fazenda Antas, de 503 hectares, em Sapé, no interior da Paraíba. A disputa gerou conflitos, ameaças, ações de jagunços, despejos e assassinatos de líderes camponeses, como João Pedro Teixeira, assassinado numa emboscada em abril de 1962, naquela região. Sua história virou o documentário “Cabra marcado para morrer”, de Eduardo Coutinho. Na comunidade Barra de Antas, próxima à propriedade rural, as poucas famílias de camponeses que restaram na área comemoram a decisão e contaram ao GLOBO como planejam a vida no futuro assentamento Elizabeth Teixeira, uma homenagem à viúva do líder camponês, que foi presa pela ditadura militar e viveu na clandestinidade durante 17 anos. Protagonista do documentário de Coutinho, ela vive hoje em João Pessoa (PB) e tem 89 anos.

Até meados dos anos 90, 85 famílias de sem-terra viviam no local e, aos poucos, com a violência e a desesperança de ver a terra desapropriada para a reforma agrária, boa parte saiu dali. O imóvel rural foi reivindicado por 57 famílias e hoje apenas 11 delas continuam em Barra de Antas. Essas famílias chegaram a ocupar a fazenda, mas foram alvos de jagunços na década de 90, e sofreram ação de despejo. Elas contam que fugiram e deixaram a terra à bala. Os relatos são de perseguição e risco de morte.

– Foi muita carreira de capanga. Tive que fugir dentro da mata no meio de urtiga. Sabe o que é urtiga? É o mesmo que levar uma surra. Pisei num buraco de formigueiro, caí. Tinha um capanga com cavalo e armado em cima de mim. Não sei como estou aqui para contar história. Agora, serão outros tempos – disse José Bias Estevão, de 56 anos e 6 filhos.

– Foi muita bala. Tudo por um pedaço de chão. Vi meu nome numa lista para morrer. Mas sobrevivi a isso. Levei muita carreira – contou o sem-terra José Soares dos Santos, de 53 anos, que vive numa casa de taipa e sobrevive com R$ 70 do Bolsa Família.

Único contemporâneo de João Pedro Teixeira que vive hoje na comunidade, Sebastião Francisco, de 65 anos e 22 filhos, também se recorda da perseguição. Adolescente na época, ele lembra da presença do Exército na área e já, naquela época, da dificuldade em obter algum pedaço de terra para plantar:

– Era muita pressão e um chuveiro de bala aqui de fazer medo. Não tinha sossego. Foi muito sofrimento desde aqueles anos. Essa decisão (do STF) foi a notícia mais importante da minha vida. Hoje tem essa Bolsa Família mas bom é viver do suor da gente, na terra onde a gente nasceu.

A sem-terra Josefa Dias faz um relato na mesma linha, de perseguição. Ela conta que perdeu um companheiro nesse enfrentamento e que sofre sequelas da violência. Disse ter problemas de saúde ligados ao sistema nervoso.

-A perseguição foi muito grande. A gente sofreu muito, acampou na fazenda e sofria tocaia o tempo inteira. Fomos expulsos com capanga atirando e a gente correndo com nossos pertences, crianças, mulheres grávidas e os cavalos pisoteando todo mundo. A gente se escondia até no cemitério. Não tinham dó de ninguém, atiravam em todo mundo. As professoras foram embora com medo e as aulas eram suspensas – contou Josefa, na frente da pequena casa de alvenaria em que vive com sua família.

A fazenda Antas, alvo da disputa, foi desapropriada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. O proprietário da terra, Sebastião Figueiredo Coutinho, conhecido por Bastos Ramos, conseguiu, em 2007, liminar da então presidente do STF, ministra Ellen Gracie, suspendendo os efeitos do decreto de Lula. O Incra recorreu e somente agora foi julgado o recurso. Com a decisão deste mês, o Incra, finalmente, poderá fazer a vistoria e a avaliação da terra e de suas benfeitorias. O fazendeiro ainda poderá contestar o valor. O Incra estima em R$ 2 mil o hectare, que totaliza pouco mais de R$ 1 milhão. Já o proprietário fala em R$ 50 mil o hectare. Por suas contas, o governo terá que desembolsar para ele R$ 25,1 milhões. Uma diferença de R$ 24 milhões.

O superintendente do Incra na Paraíba, Cleofas Caju, comemorou a decisão do STF e disse que, nessas seis décadas, o conflito gerou tristeza e dor para as famílias envolvidas.

– O governo, com essa decisão, faz justiça e reconhece uma luta histórica. Vai sair daí um belo projeto de assentamento, fruto de uma luta que remonta os tempos das Ligas Camponesas, onde se começou a batalha pela implantação da reforma agrária no país – disse Cleofas Caju.

Na comunidade de Barra de Antas está localizada a casa onde o casal João Pedro Teixeira e a mulher Elizabeth moraram com os onze filhos. Hoje, funciona o Memorial das Ligas Camponesas, com pertences do ex-líder camponês. João Pedro fundou as ligas na região e o seu sindicato chegou a ter dez mil filiados. Ele morreu assassinado 2 de abril de 1962 e nunca os mandantes foram presos.

Para dono de fazenda, ocupação por sem-terra foi irregular

SAPÉ (PB) — Dono da Fazenda das Antas, em Sapé, Sebastião Figueiredo Coutinho, de 73 anos, tem uma aversão aos sem-terra e associa a atuação do grupo a práticas ligadas ao governo de Cuba:

– É um movimento terrorista.

Conhecido por Bastos Ramos, o fazendeiro afirma que ainda luta para “salvar” sua terra. Com uma pasta de documentos e mapas de sua propriedade, ele garante que o local é produtivo e acusa a existência de um conluio entre o Incra e os sem-terra da comunidade de Barra de Antas. Coutinho culpou sua derrota no STF a seu próprio advogado de defesa, que não teve um bom desempenho.

– Eu vi com muita tristeza a decisão. Tem muitas informações falsas ali. Minha propriedade cumpre sim sua função social. Funcionários do Incra atuam junto com os sem-terra. Não bastasse, miseravelmente, não fiz uma defesa à altura (no STF) e, por isso, tive uma votação desfavorável – disse Coutinho.

Ele afirma que o tamanho da sua terra é de 419 hectares e não de 503, como informa o Incra.

Sobre os conflitos, a versão do fazendeiro é de que os sem-terra ocuparam sua fazenda ilegalmente, nos anos 90, e que seus jagunços agiam na defesa da propriedade. Os conflitos e ataques entre seus empregados e os sem-terra nunca partiam de seus funcionários, afirma ele.

– Eles que invadiram minha lavoura, destruíam tudo e matavam os animais.

Nas suas terras foram encontradas armas e munições recentemente. Ele responde a uma ação na Justiça por essa acusação, mas diz que o armamento foi deixado lá pelos sem-terra para incriminá-lo.

Coutinho é um fazendeiro médio, já foi mais poderoso na região. Ele está em Sapé há mais de 50 anos e diz ter poucas lembranças de João Pedro Teixeira:

– Graças a Deus nunca vi esse homem.

Também tem restrições à ação de Elizabeth Teixeira.

– Não acredito que essa mulher foi perseguida pelo Exército. Ela foi usada .

Coutinho se vê como principal vítima da história.

– Esse negócio de direitos humanos só serve para proteger bandidos – reclama.

Coutinho diz que irá respeitar a decisão do STF, desde que paguem a ele o que entende ser seu direito e o real valor da terra.

‘Resgatada’ por Coutinho após a ditadura

JOÃO PESSOA e SAPÉ (PB) — Protagonista do documentário “Cabra marcado para morrer”, Elizabeth Teixeira, de 89 anos, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, vive desde os anos 80 no bairro Cruz das Armas, em João Pessoa, numa casa comprada pelo cineasta Eduardo Coutinho. O imóvel foi adquirido com recursos de um dos prêmios obtidos pelo seu filme. Após a morte do marido em 1962, Elizabeth, que virou uma liderança no campo, foi presa e perseguida pela ditadura. Ela ficou oito meses na prisão e depois fugiu para San Rafael (RN). Na clandestinidade, trocou sua identidade e viveu durante 17 anos com o nome de Marta Maria da Costa.

Elizabeth diz ter sido “resgatada” por Coutinho, em 1981, história retratada com detalhes no filme. Na semana passada, em entrevista ao GLOBO, ela falou pela primeira vez da morte do cineasta.

– Tenho muita lembrança do Eduardo Coutinho. Quando terminou a ditadura, ele me resgatou em San Rafael, e, quando cheguei aqui a João Pessoa, não tinha casa para morar. Ele comprou essa casa e me deu. Apoiou nossa luta. Ele foi assassinado. Ave Maria. Meu Deus! Minha filha assistindo à televisão me chamou: “Mãe, olha aí o que está acontecendo com o Eduardo”. Senti muito a morte dele. Hoje moro na casinha que comprou com o filme – disse Elizabeth Teixeira, na sua casa na capital paraibana.

A oposição de seu pai, o fazendeiro Manoel Justino, a seu casamento com João Pedro Teixeira é um episódio que não sai de sua memória até hoje. Ela contou que o pai referia a seu marido como um homem pobre e moreno, “assim se chamava o negro”:

– Meu pai dizia que casar com um homem assim, de jeito nenhum. Fugi de casa. Não me arrependi de ter casado.

Ela disse que, até se casar, não conhecia o “espírito de luta” de João Pedro.

– Não sabia, meu filho, que João Pedro tinha aquele espírito de lutar pela terra. Não sabia, não. Era um analfabeto e se alfabetizou comigo.

Ela falou sobre sua perseguição e prisão:

– Foram oito meses de prisão. Depois, o Exército me liberou. Mas nunca me trataram mal. Me tratavam bem. O major buscava saber se me alimentavam bem. Quando me soltaram, disseram que não era para voltar para casa. Senti que, se os policiais voltassem a me pegar, não iam me deixar com vida. Por isso fugi e mudei meu nome. Assim vivi durante toda a ditadura.

Em San Rafael, ela lecionou e trabalhou como lavadeira e cozinheira. Levou apenas um dos filhos, Carlos, com ela.

A história da família é marcada por tragédias. Dos 11 filhos, a filha mais velha, Marluce, após a morte do pai e a perseguição à mãe, matou-se. A casa onde a família morou, na comunidade de Barra de Antas, virou o Memorial das Ligas Camponesas. Ali estão alguns pertences de João Pedro, como carteira de sindicalizado e o microfone que usava em seus discursos para os camponeses. Há dois anos, o terreno da casa foi desapropriado pelo governo do estado e entregue ao memorial, que funciona ali desde 2006.

Elizabeth está contente com o fato de que seu nome vai batizar o assentamento a ser criado após a vitória no STF:

– Estou muito feliz e honrada com a decisão de batizar o assentamento com meu nome. João Pedro ia gostar disso.

A professora de História Juliana Teixeira, de 34 anos, neta de Elizabeth, leciona nas escolas de Sapé, região onde seus avós moraram e onde foram criadas as Ligas Camponesas na região. Ela trabalha na recuperação e divulgação da memória do trabalho de seus avós. Juliana contou que até hoje enfrenta resistência e que os contemporâneos de João Pedro Teixeira têm receio de falar:

– No início foi difícil. Ainda hoje algumas pessoas têm receio em falar, têm medo. Eu mesma percebo olhares diferentes, pessoas me abordam dizendo que a história “não foi bem assim” – contou Juliana.

A professora foi lecionar uma época numa escola que fica numa propriedade rural da família de Aguinaldo Veloso Borges – apontado como um dos mandantes da morte de João Pedro, e que já faleceu:

– Eu me senti um pouco travada para falar desse assunto lá.

Juliana Teixeira, ano passado, deu longo depoimento para Eduardo Coutinho, que voltou à região para refazer “Cabra marcado para morrer”.

Vídeos

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